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quinta-feira, 19 de agosto de 2010


A presunção de inocência e a condenação sumária

O professor de Direito Penal, Túlio Viana, em seu desabafo “Sobre o projeto Ficha Limpa”, vai mais longe: “Se o 'ficha-limpa' não fere a presunção de inocência (defendida pelo art.5º LVII da nossa Constituição), é pior ainda, pois vão tolher a exigibilidade do cidadão mesmo sendo inocente. Êh argumento jurídico bão: nós continuamos te considerando inocente, mas não vamos te deixar candidatar mesmo assim! Que beleza! Ou o cara é presumido inocente ou é presumido culpado. Não tem meio termo. Muitos dos corruptos brasileiros possuem 'ficha limpa' – especialmente os mais espertos, que não deixam rastros. Por outro lado, várias lideranças sindicais brasileiras possuem condenações em segunda instância por 'crimes' que envolveram participação em greves ou em lutas populares; devemos impedir que se candidatem?”, indagou Viana.

Como se vê, a polêmica idéia trata-se de uma aberração, que, pelo mundo, tem apresentado resultados com efeito contrário. A Itália, por exemplo, depois de promover uma perseguição política através da chamada operação “Mãos Limpas”, elegeu Silvio Berlusconi. Tão limpo quanto Maluf. Já uma lei do tipo na África do Sul não teria permitido a eleição de Nelson Mandela, cuja “ficha suja” envolvia condenação por “terrorismo”.

No vídeo citado no início deste texto, o jurista Aristides Junqueira alega que “diferentemente do que em direito penal, no direito eleitoral impera a precaução sobre a presunção”. Por que essa diferença? Não seria a “precaução” uma forma de condenação sumária?

“Ordem e precaução”

Muito se fala em “pôr ordem na casa”. E eu pergunto: a que tem se prestado a palavra “ordem” em nossa história? O que é o “choque de ordem”, de Eduardo Paes, atual prefeito do Rio de Janeiro, senão a criminalização da pobreza? O que foi o Departamento de Ordem Pública e Social (vulgo DOPS), instaurado por nossa ditadura militar, senão uma caçada a “terroristas”, como Mandela? Pode-se citar ainda episódios desconhecidos de nossa história, mas que, certamente, não foram os únicos. O que foi a “Operação mata-mendigo” (bem contada no filme “Topografia de um desnudo”), que, na década de 60, objetivou “pôr ordem” na cidade do Rio para visita da Rainha Elizabeth? Os mendigos foram brutalmente torturados e jogados no rio Guandu. Policiais e funcionários do então Governo da Guanabara foram indiciados. Porém, com o Golpe de 64, os inquéritos foram todos arquivados e o episódio quase apagado da história do Brasil.

Será incontável o número de artifícios malabaríticos que, já tão usados pelos políticos, surgirão ainda com mais freqüência, como drible para a “mão pesada” da nova lei. Já se tem notícia, por exemplo, de um que candidatou a esposa. É o incentivo a esse tipo de “precaução laranja”, à sujeira encoberta por debaixo do pano para melhor ludibriar o eleitor, que buscamos para nossa sociedade e política?

Por que (e para que) será?

Será que os pequenos delitos diários, não condenáveis pela justiça, não corrompem muito mais nossa política? É muito fácil demonizar os políticos. E nossa “grande mídia” é a primeira a atirar todas as pedras. Por que será? Imaginem se Lula vetasse a lei. Seria massacrado nas capas dos jornalões, ainda mais do que já é. E se fosse proposto um projeto “Ficha Limpa” para a profissão de jornalista, quantos sobrariam? Haja hipocrisia!

Tamanha foi a pressão popular, convenientemente apoiada pela mídia, que todos os deputados votaram pela aprovação do projeto. Ops... Menos um, que, com medo da reação da opinião pública, se apressou em alegar “ter trocado os botões no painel de votação por cansaço”. Os eleitores se enganam, porém, quando imaginam que a nova lei impedirá a reeleição de figuras como Renan Calheiros, José Sarney ou Fernando Collor. Todos estão em dia com a Justiça, a começar por Collor, que se elegeu senador depois de ficar inelegível por oito anos, situação em que se encontram os ex-deputados José Dirceu e Roberto Jefferson.

“E os casos de compra de voto e abuso do poder econômico?”, é o que indaga o ex-deputado José Dirceu em seu artigo “A mídia em mais uma de suas jogadas”. De fato, estes casos raramente levam a condenações. Por que não se tem coragem de falar em reforma política? Uma reforma que proporcionasse reais mudanças na legislação sobre as eleições, no sistema de financiamento das campanhas, nos guetos que ainda permitem que votos sejam trocados por dentadura? Será que alguém já parou para pensar que a aprovação do projeto significou dar poder de veto de candidaturas às oligarquias regionais, que controlam a maioria dos Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Eleitorais? Por que não se discute a sério uma reforma no Judiciário que proporcionasse maior rapidez nos julgamentos, não apenas impedindo a candidatura dos corruptos, mas fazendo com que eles de fato fossem condenados e presos?

Por que não pensarmos antes em educar a população, desde as classes mais básicas do ensino, levando-lhe ao entendimento de que o eleitor é o agente responsável pelas mudanças de uma nação, que é ele que detém nas mãos o verdadeiro poder e mostrando-lhe o caminho para saber escolher melhor seus representantes? Se houver a conscientização de que voto é direito e não dever, para que mesmo uma lei que impõe ao povo o que é ou não condenável?

Hitler tinha a ficha limpa?

Numa atitude desesperada e destemperada, em grande parte repleta de boas intenções, foi o próprio povo que a avalizou. Faltou lembrar que Hitler, o senhor da “mobilização popular”, tão pregada pelo movimento (“radical democrático”) que deu origem ao projeto, era um exemplo de “moral e bons costumes”: para aproximar sua figura a de Gandhi, Goebbles, ministro da Propaganda de Hitler, o “vendia” como vegetariano, enquanto, alertam historiadores, “ele comia macarrão recheado com carne picante e coberto com molho de tomate”. Na busca por “pureza”, não bebia, não fumava.
Estão claras as diferenças contextuais: o Fürer alemão foi um ditador. Mas que, em nome da busca por uma “raça pura” – ou “limpa”, não faz muita diferença – gozou de grande popularidade em sua terra.

Por:Ana Helena

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