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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O monstrengo do IPI tem pai: Guido Mantega

Ministro atropela pasta do Desenvolvimento e tenta tomar a frente na política industrial, formulando em segredo a medida cujo benefício ao consumidor ninguém consegue entender

VEJA
Guido Mantega Guido Mantega: desejo antigo de que a Fazenda fizesse política industrial (Anderson Schneider)
Há exatamente uma semana, economistas, empresários e consumidores têm tentado, sem sucesso, entender o decreto anunciado pelo governo que aumenta em 428% a cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos automóveis importados. A decisão provém, oficialmente, de um grupo de estudo interministerial – composto pelas pastas do Desenvolvimento, da Fazenda e de Ciência e Tecnologia – que tentava, junto à Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), encontrar uma maneira de tornar os automóveis nacionais mais competitivos. No entanto, por trás de um trabalho que deveria ser técnico, está a mão protecionista do economista Guido Mantega, cujo ministério nada tem a ver com a política industrial do Brasil. Se seus sonhos de se tornar o homem-forte do governo – e interferir em todas as esferas – não foram realizados durante a gestão anterior, o ministro agora consegue avanços ao ser o principal autor do novo IPI.
O site de VEJA ouviu mais de uma dezena de fontes ministeriais e do setor automotivo que não quiseram ter seus nomes revelados devido à complexidade do assunto – e a um possível temor de retaliação. Todas proferiram uma informação em comum: o ministro Mantega – que deveria se ocupar inteiramente da função de cuidar do superávit fiscal e ajudar o Banco Central a combater a inflação – articulou praticamente sozinho com as montadoras ditas nacionais a descabida medida da última semana. Nem mesmo os ministros Aloizio Mercadante e Fernando Pimentel, da Ciência e Tecnologia e do Desenvolvimento, respectivamente, tinham total conhecimento do assunto. Eles foram intimados de última hora a participar do anúncio e nem imaginavam que a elevação do IPI chegaria a tanto. “O Fernando Pimentel havia dito que, se viesse, o aumento seria de um número razoável. E ele pareceu muito sincero quando disse isso. Já no momento do anúncio, ele estava “branco””, afirmou José Luiz Gandini, presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva), em coletiva à imprensa no dia seguinte ao anúncio.
Leia mais: A nova política para o IPI dos veículos

Atropelo – O número que circulava nos corredores do governo nas semanas que antecederam o decreto era de que o acréscimo do IPI seria de 30% e não de 30 pontos porcentuais. A decisão de adotar uma saída ou outra traz consequências muito díspares. Elevar uma alíquota em 30% significa que o IPI de um carro popular flex passaria de 7% para 9,1%. Contudo, ao lançar mão do ajuste de 30 p.p., esse mesmo IPI vai a 37%. A alta absurda da carga tributária faz com que veículos que não cumprem as regras de nacionalização fixadas pelo governo fiquem até 28% mais caros para o consumidor final. “Chegaram a esse número na etapa final de negociação”, afirmou uma fonte ligada à Anfavea. Os ministros Mercadante e Pimentel foram avisados em cima da hora, de acordo com uma fonte ligada ao ministério de Desenvolvimento. “Ele atropelou todo mundo. O que ele sempre quis é que a Fazenda fizesse política industrial”, afirma.
Também na Anfavea, as discussões foram pouco transparentes – tanto que executivos de montadoras ligadas à associação afirmaram à VEJA que não foram sequer consultados. A associação nega, argumentando que, desde o início do ano, há discussões com o governo para tentar melhorar a competitividade da indústria automobilística nacional. Em coletiva, o presidente da Anfavea, Cledorvino Belini, que também preside a Fiat, negou que tenha havido lobby das grandes empresas do setor. Segundo ele, a decisão foi motivada pelo impacto negativo que a importação de veículos tem causado na balança comercial.
Fosse essa a razão, o aumento do IPI nem assim se justificaria. O déficit provocado pela importação de peças e veículos, que chegou a 20 bilhões de dólares no acumulado de janeiro a agosto, está bem próximo do saldo negativo da balança comercial da indústria química, que chegou a 18 bilhões de dólares no mesmo período. Já no caso dos eletroeletrônicos, esse número é de 14 bilhões de dólares até agosto, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento. Neste último caso, inclusive, em vez de colocar barreiras aos importados, o governo dá até incentivos. Tanto que o Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES) irá ajudar a financiar a nova fábrica da taiwanesa Foxconn no Brasil, a qual produzirá os tablets da Apple apenas com componentes importados. Por fim, a balança comercial – que é administrada pelo Ministério de Desenvolvimento – está fora da área de competência da Fazenda. Já a inflação que beira ao descontrole, apesar de ser da alçada do Banco Central, está bem mais próxima de Mantega. Passam ao largo de seus projetos, no entanto, medidas para baixar a elevada carga tributária, que penaliza o empresário que quer expandir oferta no país, ou mudar o perfil gastador do estado, que tanto pressiona os preços.
Plano interrompido – Desde que as montadoras asiáticas, como Hyundai, Kia e JAC, começaram a ganhar corpo no mercado nacional, o governo tem buscado saídas para melhorar a competitividade daquelas já instaladas no país. Os debates entre a indústria e o Planalto resultaram em um plano de estímulo à competitividade anunciado em 2010, que já previa, inclusive, um corte no redutor de 40% do imposto de importação de autopeças – beneficiando, assim, os fornecedores nacionais. Tal plano foi anunciado pelo então ministro, Miguel Jorge, e por Guido Mantega. Neste ano, veio a Medida Provisória nº 540, que previa a redução do IPI para montadoras nacionais. “É preciso entender que o país necessita de um aumento de competitividade. Medidas protecionistas geram resultados de curto prazo e não aumentam a eficiência do setor”, afirma o consultor e ex-secretário de Comércio Exterior, Welber Barral.
Ocorre que o governo não quis abrir mão dos tributos e utilizou o decreto da semana passada para faturar em cima do contribuinte: limitou a concorrência; reduziu as opções do consumidor, sobretudo da classe média; e deteriorou a imagem do país junto a investidores estrangeiros, mostrando sinais de ingerência política e insegurança jurídica.
Interferência reincidente – Em 2008, Mantega já se reunia com presidentes de montadoras e dava sinais de que pretendia atuar na política industrial do setor automotivo de forma protecionista. No entanto, com a chegada da crise, a alternativa para mitigar as demissões no setor foi a eliminação do IPI de todas as montadoras.
O ministro não tirou, entretanto, os olhos dos automóveis. Passado o momento de turbulência, ele resolveu encomendar um estudo sobre a viabilidade da produção de carros elétricos no Brasil. No ano passado, em um movimento solitário, convocou a indústria para anunciar um plano de incentivo à produção desse tipo de veículo. Contudo, minutos antes do anúncio, quando empresários e políticos aguardavam para ouvi-lo, cancelou a apresentação. Na época, foi divulgado pela imprensa que o cancelamento ocorreu porque o ex-presidente Lula teria pedido tempo para entender o projeto. Na prática, a situação foi outra. Antes de falar com os empresários, Mantega foi ao gabinete de Lula para avisá-lo do plano. Após ouvi-lo, o ex-presidente, que nada sabia sobre o projeto, mandou engavetá-lo. A presidente Dilma Rousseff, mesmo sendo economista, parece não ter tido o mesmo bom-senso agora: assinou e afiançou o mais novo devaneio do superministro.
VEJA

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